Conhecendo o Decorado


Em breve, um clube que existia perto da minha casa será transformado em um enorme residencial com apartamentos de dois e três quartos. A construtora responsável montou um stand de vendas a uma quadra do local e colocou em sua fachada aquela enigmática frase "CONHEÇA O DECORADO". Frase que é repetida em todos os lançamentos de conjuntos residenciais. Sempre quis saber quem era esse tal de Decorado e, como o negócio fica perto da minha casa, decidi que essa era a oportunidade.

Bati a porta da loja e fui simples e direto. "Quero conhecer o Decorado", falei. As recepcionistas pediram para que eu esperasse por um instante, digitaram alguma coisa em seus computadores, trocaram mensagens inteligíveis no seu sistema de comunicação interna, perguntaram meu nome e após alguns minutos me deram Ok.

Fui levado até uma sala com uma mesa de muito bom gosto, sofás confortáveis, quadros duvidosos e vasos de flores excêntricos. Sentei no sofá durante alguns minutos, até que a recepcionista bateu na porta e avisou "Sr. Guilherme, o decorado chegou e já vem falar com o senhor". Ao fundo, Chet Baker solava seu trompete.

Logo depois ele entrou. Utilizando terno de linho branco com corte preciso, uma camisa bem passada, gravata elegante e óculos de armação italiana, Decorado se sentou na minha frente. Sua fisionomia era incrivelmente boa. Posso garantir que ele tem um ótimo sono, alimentação saudável, pratica atividades físicas com regularidade e mantém seu intestino funcionando com a precisão de uma balança, sem precisar utilizar nenhum iogurte de propaganda.

Confesso que não soube o que perguntar para o Decorado. Sua figura era um tanto quanto imponente e ele nunca tirava um sorriso do rosto enquanto me olhava falando. Parecia que ele sabia tudo o que eu faria e que estava me achando um completo idiota, mas que seria nobre o bastante para não demonstrar o incomodo em estar perdendo o tempo dele comigo. Ele também parecia estar o tempo todo prestes a me interromper para perguntar se eu aceitava um suco, um café, uma água e até mesmo biscoito Passatempo, se bobear.

Decorado está há muito tempo nesse ramo. Nem ele sabe explicar, mas o fato de as fachadas das construtoras convidarem as pessoas a conversar com ele faz com que muitas unidades habitacionais sejam vendidas. Talvez seja pelo seu charme pessoal? Por sua simpatia? Ele não sabe. Decorado não dá respostas afirmativas, ele apenas quer fazer com que você se sinta confortável.

Ele contou que já foi caixeiro viajante e me convidou para ver a planta do apartamento que estava sendo vendido naquele local. De fato, os apartamentos passavam uma imagem muito confortável, mesmo sendo apenas projeções sobre um papel couche 170g. Em certo momento, Decorado mencionou massagear meus ombros, mas refutei a hipótese e ele disfarçou. No final, já estava quase realizando um financiamento de R$ 175 mil para comprar o apartamento, mas me lembrei que estava ali pelo jornalismo e voltei atrás.

Minha recusa não interferiu em nada no humor do Decorado. Nenhuma ruga ou veia saltou em seu rosto e sua expressão continuou serena. Ele manteria essa aparência ao final de uma maratona, numa micareta ou dentro de um caixão.

Despedi-me e disse que a conversa foi um prazer. Ele garantiu que o prazer era todo dele, me recomendou fazer dez flexões ao acordar, mudar a posição do calendário na minha mesa de trabalho e beber um copo de suco cítrico em jejum, ao acordar. Talvez eu siga suas recomendações.

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