Parque de Diversões


A velha máxima de que o dinheiro não compra a felicidade é uma mentira. Quando eu era criança, a felicidade poderia ser comprada por cinco reais. Esse era o valor do passaporte Ita Center Park, um parque de diversões itinerante que se instalava aqui em Cuiabá todo mês de janeiro. Ele chegava, anunciava na TV e os jovens de toda a cidade partiam em sua direção, numa espécie de peregrinação.

Um passaporte do Ita garantia o direito de passar o dia inteiro andando naqueles brinquedos giratórios intermináveis, ou talvez o dia inteiro na fila do carrinho bate-bate. Alguns amigos meus iam lá apenas para andar no bate-bate e enfrentavam sua longa fila diversas vezes. Nunca entendi isso.

O valor de cinco reais, talvez em algum momento tenha chegado a vinte, parece ridículo, eu diria que é irrisório. Mas, lembrem-se que nós vivíamos outro momento da nossa economia. Nessa época você poderia comprar um salgado e uma zebrinha na cantina da escola por um real e um mísero real era o valor de um baguncinha, sanduíche que continha calorias suficientes para lhe manter vivo durante uns dois anos.

Pois bem, no começo deste ano o Ita Center voltou a se instalar aqui em Cuiabá. Não mais no local em que ele sempre ficou, porque neste lugar foi construído um ginásio poliesportivo. Mas, todo dia eu passo em frente a ele no trajeto entre minha casa e meu trabalho. Vi quando ele estava sendo montado e não tive dúvida que era o Ita. Quando eu vi o Kami Kaze, um brinquedo suicida, tive a leve sensação de que era o mesmo de quinze anos atrás. Só o preço que não é mais o mesmo. Agora, o passaporte custa R$ 70. A felicidade ficou mais cara, maldita inflação.
Passaporte para o medo

Todo dia enquanto eu estou em um pequeno congestionamento na frente do parque, fico olhando as pessoas no barco viking, indo para lá e para cá. Observo o Kami Kaze com a mesma apreensão que eu tinha quando era criança. Esse brinquedo é formado por dois pêndulos paralelos balançando em direções opostas. Na medida em que eles vão pegando embalo, eles vão subindo mais alto e mais alto, até que eles ficam parados de cabeça pra baixo lá em cima. E então eles caem. E depois fazem uma volta completa. E essa verdadeira sessão de tortura deve durar uns três minutos, tempo no qual eu fico no meu carro esperando por um jato de vômito caindo lá de cima.

Começo a me lembrar dos brinquedos que existiam dentro do parque e chego a conclusão de que quase todos eles são assustadores. Não entraria nessas máquinas hoje e muito menos quando eu era criança. Começo a pensar no que me restava fazer nesses parques quando eu era menor e então entendo porque tantos colegas ficavam horas no carrinho bate-bate. Só me lembro que eu gostava do barco vinking, dava umas voltas na roda gigante e ia na montanha russa a contragosto. Acho que deveriam existir alguns brinquedos mais lúdicos, com carrinhos andando em círculos e o carrossel.

Só que pelo o que eu observo hoje, o público alvo dos Parques de Diversões não são mais as crianças, mas sim os adolescentes e os jovens. E o que esses empreendimentos oferecem a nossa juventude? A sensação mais próxima o possível de morrer, simulando efeitos desagradáveis ao extremo. Algo como sofrer um acidente de avião.

Veja que nós temos brinquedos que te levam até um lugar incrivelmente alto e então começam a girar e a cabine onde as pessoas estão sofrem toda a força centrífuga possível, dando a impressão de que a qualquer momento o cabo de aço irá se romper e a cabine será arremessada longe. Aliás, isso eventualmente acontece e ganha destaque no Jornal Nacional. Sem sobreviventes.

Existe outro “brinquedo” que sobe alto pra caralho e então desaba como se fosse um elevador despencando do último andar do Empire States e você sente que o seu fêmur irá entrar pela bacia e atravessar todo o seu sistema digestivo, respiratório e sair pelos ombros na hora em que tudo terminar. O corpo deve reagir da mesma maneira que reagiria quando percebe que a morte é imediata, mas no final tudo dá certo (exceto as já citadas aparições no Jornal Nacional, sem sobreviventes) e por alguma razão, algumas pessoas ficam extasiadas com essa sensação que no máximo deveria provocar falta de ar e pesadelos recorrentes.

E as montanhas russas? Já eram terrivelmente assustadores quando elas tinham apenas umas três descidas e um looping já era motivo de calafrios. Agora, os parques investem em trilhas com dezessete loopings, quedas de 40 metros, 200 km/h, provocando desacelerações súbitas e cinco vezes a Força G no seu pescoço.

Enfim, nada contra os praticantes de esportes radicais, apesar de eu não me encaixar nesse perfil. As pessoas que escalam montanhas íngremes, mergulham em cachoeiras amarradas a botes infláveis, pulam de aviões com uma mochila inflável nas costas ou se arremessam de uma ponte amarradas por uma corda. Mas o Parque de Diversões moderno foi feito para eles. Um X-Games da vida real.

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