Previsões, Perdas e Danos

Acordei e demorei alguns segundos até perceber onde eu estava. Primeiro percebi que eu estava dentro do meu carro que estava estacionado em algum lugar que não era a minha casa. Olhei no relógio e vi que eram 11h12 da manhã. Foram mais alguns segundos enquanto a confusão mental se acalmava e eu percebi que era o dia 1º de Janeiro. Olhei em volta e reconheci que eu estava no estacionamento da Casa de Diversões Noturnas Carnicentas.

Lembrei que todo dia 1º de Janeiro eu vou até aquele local para falar com Jorginho de Ogum e pegar suas previsões sempre furadas sobre o ano que vai começar. Em 2013 este maldito charlatão acertou metade das previsões apenas, mas nenhuma delas foi espantosa. Mas porque raios eu estava dormindo no meu carro na frente do estacionamento? Por um segundo pensei no risco que eu estava correndo mas logo lembrei que ninguém assalta a Carnicentas. O único que tentou fazer isso teve a sua casa invadida por um alemão que usava um fio-dental de látex e que molestou todos os objetos da casa, inclusive o revólver.

Resolvi entrar no estabelecimento e a situação era deprimente. Bem, sempre é. Encontrei Marcão dormindo enrolado em uma guirlanda florescente. Alfredo Chagas estava abraçado em uma garrafa de uísque paraguaio. Olhei em um canto e vi Vinícius Gressana sentado, encostado na parede, com os braços abraçando seus joelhos. Ele estava acordado e com o cabelo molhado, típico de quem havia acabado de tomar banho. Vinícius não esboçava nenhuma reação, apenas fitava o nada com os olhos perdidos, enquanto o Cão Leproso babava ao seu lado.

Cumprimentei Vinícius e ele não me respondeu. Parecia não estar muito a fim de conversa. Perguntei o que estava acontecendo e ele não me respondeu. Foi quando alguém me cutucou e disse “é isso o que estava acontecendo”. Era Cláudio Defunto, o baterista do Benga Boys. Ele me mostrou um celular com fotos comprometedoras do Vinícius ao lado de uma garota de aparência... ahn, digna das garotas do Carnicentas.

Cláudio estava acabando de embalar seus instrumentos em papel celofane, quando os outros integrantes do Benga Boys chegaram e avisaram que só estavam esperando ele, que o ônibus passaria em quatro minutos. Perguntei espantado se eles haviam adquirido um ônibus para a banda e se isso significaria aquele retorno a maldita época das micaretas. O vocalista Zé Coveiro falou que não era porra nenhuma disso, a linha 411 ia passar em quatro minutos e depois ia demorar pra caramba pra passar de novo, dia 1º é foda.

O que me espantou nesse momento foi que eles sabiam quando é que um ônibus iria passar em Cuiabá. Em qualquer dia isso já é difícil, o que dizer do primeiro dia do ano?
- Aquele cara ali que falou. Ele não erra uma.

Enquanto os Benga Boys iam embora (a noite hoje foi boa, disse Pedro Tolete) olhei para o lado que eles apontaram e vi um cidadão utilizando uma bata de cetim amarelo dormindo em uma rede. Olhei para ele e ele acordou no mesmo instante. Fiquei assustado. O rosto não me era estranho. Observando minha perplexidade ele se apresentou, era o Borboleta, amigo de Pai Jorginho de Ogum que eu havia conhecido em Paraty em meados de 2008 quando o velho charlatão havia desaparecido.

Ele me explicou que havia se conectado telepaticamente com Jorginho de Ogum, que o convidou para passar o Réveillon em Cuiabá. Me disse que estava cansado de vender pedras magnéticas em Paraty e aceitou o convite. Logo depois falou.
- Estou vendo aqui, vocês aprontaram nesta noite.

Estava vendo aonde? Vocês quem? Neste momento a menina que estava em algumas fotos com Vinícius passou pela sala. Sorriu para Gressana, se despediu e disse que iria esperar o desenho que ele prometeu. Borboleta me explicou que a garota se chamava Dalila e que conhecia Vinícius dos tempos de colégio em Tangará da Serra. Na época ela era a menina mais bonita da sala, mas o tempo não foi muito grato com ela. Disse que isso era normal com as meninas mais bonitas da sala, Borboleta assentiu. Naquele momento eu pensei que deveríamos contratá-lo para fazer previsões no lugar de Jorginho de Ogum e que Jorginho deveria ser mandado para Paraty. Perguntei se era por isso que o Vinícius tinha tomado banho e o Borboleta me explicou que ele tomou banho umas oito vezes desde que nós havíamos chegado.

Chegamos? Então eu me dei conta de que estava no primeiro de janeiro e que não me lembrava de como havia passado a virada do ano. Senti um frio na espinha. Olhei o celular com as fotos comprometedoras do Vinícius e só então percebi que era meu celular. Comecei a olhar as fotos e lá estavam fotos de uma noite louca em que ainda apareciam o Tackleberry, Hanz o Pansexual, o Menino Fabinho e um cara vestido de Papai Noel. Caramba, o que havia acontecido?

Na lista de arquivos do meu celular encontrei um áudio gravado às duas da manhã.
- O Brasil vai ganhar a Copa e foda-se o resto. Se ganharmos a Copa ninguém vai querer saber de mais nada. Ah, coloca aí que o povo irá decidir seus novos governantes.
- Porra Jorginho, isso aí é a constituição que decidiu!
Era o áudio com as previsões para 2014 feitas por Pai Jorginho de Ogum.

O pai-de-santo apareceu na minha frente. Explicou que estava dormindo no seu quarto e disse que, se quisesse, ele faria novas previsões. Eu disse que só queria que ele explicasse o que estava acontecendo. Ele perguntou se eu não lembrava do Réveillon do Carnicentas e das coisas que aconteceram depois? Falei que não.
- Então o negócio foi forte.

Perguntei que negócio? E Jorginho de Ogum se sentou em uma cadeira e falou para eu me sentar. Recusei. Disse que preferia ficar em pé. O mestre então contou que nós havíamos exagerado um pouco na comemoração da festa e que, enfim, a festa foi longe demais, mas que pelo menos, ao que ele sabia, ninguém foi violado sexualmente, o que era um bom sinal.

Ainda estava sem entender, mas pelo menos estava satisfeito em saber que nada de pior havia ocorrido, quando Jorginho em tom pesaroso lembrou.
- Só tem uma coisa. Perdemos o Tackleberry. E também o Hanz. Ah, um cara vestido de Papai Noel também desapareceu. Além de um amigo de vocês que eu não sei quem é.

Continua.

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