Previsões, Perdas e Danos - Parte 6

Paramos no primeiro semáforo e o telefone do Tackleberry voltou a tocar novamente. Novamente era uma ligação a cobrar. Desliguei. Não é possível que alguém ainda faça ligações a cobrar em pleno 2014. Perguntei ao Papai Noel se, mesmo no porta-malas, ele havia percebido o carro parado em algum lugar, se havia escutado alguma coisa. Ele disse que o carro parou algumas vezes, mas ele estava muito ocupado para prestar atenção em qualquer coisa.

Perguntei pro Papai Noel o que ele fazia no resto do ano enquanto não estava entregando presentes para as criancinhas, invadindo chaminés e tudo mais. Ele disse que dava seus pulos. Perguntei se não havia nenhuma atividade específica e ele disse que não ia responder, porque nós somos amigos de PM. “Você acha que tem só brinquedo nesse saco aqui, porra?” disse irritado.

Começou uma espécie de silêncio constrangedor e eu resolvi ligar o rádio. Quase perdi o controle e bati em um poste. O aparelho estava sintonizado na Rádio Easy e tocava uma música do Roxette em volume ensurdecedor. Papai Noel riu. Comecei a imaginar sete pessoas em um carro tocando Roxette na estrada de Jangada e ri também. Abaixei o volume e mudei para o meu pen-drive, que tocava Black Dog do Led Zeppelin.

Segui em direção da casa do Papai Noel no Jardim Europa. No meio do caminho olhei pelo retrovisor e vi que ele estava dormindo. De sua boca saia uma espuma amarelada e por um instante pensei se não seria melhor parar em um pronto-socorro. Vinícius achou melhor não. Pensamos sobre o que aconteceria se ele morresse no banco de trás. Mas ele logo acordou e, resmungando, limpou a espuma no antebraço.

Cheguei a porta da casa do Papai Noel e desci para levantar o banco, porque meu carro não é quatro-portas. Me despedi e ele disse para o chamarmos quando tivesse outra noitada. Disse que com certeza faria isso. Antes de ir embora fiz uma última pergunta. Porque ele considerava o Menino Fabinho um delinquente, se ele não fez nenhum comentário sobre a atuação do garoto durante a noite. Papai Noel sorriu e disse:
- Eu sou o Papai Noel, porra. Eu sei quando os garotinhos se comportam bem ho ho ho.

Voltei para dentro do carro e comecei a conversar com Vinícius.
- O que a gente faz agora?
- Sei lá, faz um B.O.
- E como que a gente faz um B.O. dizendo que estávamos num carro com um adolescente de 14 anos dirigindo, um cara vestido de Papai Noel e...
- É...
- Mas sei lá. A gente deve ir no IML? Avisar a família?
- Avisar a família é foda. Como que a gente diz pra mãe dele que, olha, o Tackleberry foi pra uma festa de Réveillon com a gente, mas ele sumiu.
- Ou que ele morreu. Não sei como o irmão dele não ligou de novo.
- A família já deve estar procurando a essa altura.
- Daqui a pouco nós vamos ser procurados pela polícia.
- Foda que imagina o noticiário depois.
- Publicitário morre após noitada com pansexual, adolescente e Papai Noel.
- Hahahahaahahahah
- Ex-colegas são principais suspeitos.
- Pelo menos ainda vai ter um obituário foda.
- E ainda tem o L...
- Nem me fala. Pessoal do banco vai ficar puto com ele.
- Sim, sacanagem morrer nessa época do ano... principalmente se não terminou todo o trabalho.
- Pior.
- Pior que a gente nem pensou no que pode ter acontecido com ele. Ele deve ter família também, amigos que vão sofrer com isso.
- Dúvido.
- É...
- Brincadeira. Foda, ai são dois mortos. Ou dois desaparecidos.
- O XXXXXX¹ disse que ia avisar se soubesse de alguma coisa.
- É. Se dois caras tivessem morrido na noite do Réveillon, ele já estaria sabendo.
- Mas, o foda é que vai saber por onde a gente andou nessa noite. Acho que nunca saberemos. Só se a gente encontrar o L...
- Quando voltar ao trabalho eu pergunto pra ele, se ele estiver vivo.

O relógio do carro apontava que já estávamos além das duas horas da tarde. O tempo estava nublado naquele primeiro dia do ano e nós estávamos num semáforo da Avenida Beira Rio quando o telefone do Tackleberry voltou a tocar. Pensei, foda-se, vou atender de uma vez.

- Alô.
- Oi, quem tá falando?
- É... esse aqui é o telefone do Thiago, mas ele... ahn, quem tá falando aqui é o Guilherme.
- Opa cara, aqui é o Tackleberry.

Fiquei em silêncio. Ele também.

¹Nunca revelamos o nome do Elemento X, para evitar problemas profissionais.

Continua

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