Previsões, Perdas e Danos - Parte 2

Na verdade eu ainda tinha muitos questionamentos. Como assim nós perdemos o Tackleberry? Quem era esse outro cara conosco? O que um cara vestido de Papai Noel estaria fazendo dentro do Carnicentas? Jorginho de Ogum demonstrava um olhar vazio, como se não tivesse nada que pudesse fazer por nós. Borboleta se sentou ao seu lado e me olhava da mesma maneira. Por um momento, pensei que os dois poderiam formar uma dupla sertaneja bizarra.

Vinícius continuava sentado, com aparência desolada. O pedreiro Marcão acordou e disse que precisava cagar. Eis que surge, impecável em linho 120, Alfredo Humoyhuessos o professor pesquisador colombiano que também é coreógrafo. Sempre que o vejo, penso em fazer alguma reverência. Perguntei por que ele estava ali e ele disse que havia sido convidado por mim para participar do Réveillon.
- Você me disse que o Amigo Oculto do blog foi terrível e que vocês iriam fazer uma grande festa de ano novo. Me ofereci para fazer os drinks.

De fato, Humoyhuessos carregava uma fama de ser ótimo barman. Ele contou que chegou e logo começou a realizar grandes misturas entre destilados, fermentados, sucos, frutas e sua imaginação e estudos. Jorginho opinou que foi a melhor gin tônica que ele já havia tomado.
- Vocês já estavam bem animados, quando começaram a falar que corriam o risco de fazer igual aquele filme “Se Beber não Case” e me perguntaram se existia um drink que provocasse amnésia profunda. Eu disse que sim e vocês falaram que duvidavam. – contou Alfredo.
- E daí? – eu disse.
- Se há algo que eu não tolero, é que duvidem de mim. Portanto, eu preparei um drink que apagou a memória de vocês. Aliás, não só do que vocês haviam feito depois, mas do que fizeram antes do drink. – prosseguiu Alfredo.
- É, você nos dopou? Que droga foi essa? – perguntei.
- Não tinha droga nenhuma. Eu apenas misturei Guaraná Dolly com frutas cristalizadas. O corpo resolve apagar todas as memórias. É um mecanismo de defesa para esquecer o sabor. – disse Alfredo.
- Porra, mas aí pegou pesado. – comentou Borboleta.
- Todo mundo bebeu isso? – eu perguntei.
- Não, só você, o Vinícius e o Tackleberry que beberam.

Então, Jorginho de Ogum contou que eu, Vinícius, Tackleberry, um cara vestido de Papai Noel, um amigo nosso, Hanz, o Pansexual e o menino Fabinho havíamos saído no meu carro para curtir as primeiras horas do novo ano. Falei que, caramba, éramos sete no meu carro e todos estávamos bêbados. Jorginho disse que o menino Fabinho foi dirigindo. Porra, ele tem 14 anos, argumentei. Mas... se nós não nos lembramos de nada, como é que vocês sabem que nós perdemos quatro pessoas?
- Quando você, o Vinícius e o Fabinho chegaram, ele disse que os quatro haviam desaparecido em algum momento da noite. Ele não sabia como. – disse
- Caramba, onde que ele tá? Ele pode nos dizer o que aconteceu.
- Não dá. Eu já o levei pra Rodoviária às 8 da manhã. Aliás, vocês chegaram nesse horário porque ele ia pegar o ônibus para Primavera do Leste. Disse que tinha uns assuntos pra resolver por lá.

Marcão saiu do banheiro, passou pelo catatônico Vinícius e nos perguntou o que havia acontecido. Mostrei as fotos para ele e ele se indignou. Começou a brigar com Vinícius, dizendo que a Dalila era uma menina de ouro e antes que Marcão esfregasse as mãos na cara de Gressana, ele se levantou, renascido. Chegou perto de onde eu, Jorginho, Borboleta e Alfredo estávamos. Expliquei para ele o que tinha acontecido e Vinícius disse que já sabia. Que toda a cena já havia acontecido com ele na hora em que ele acordou, inclusive com os Benga Boys dizendo que iriam embora, Jorginho dizendo que estava dormindo no seu quarto e Humoyhuessos surgindo em um terno de linho 120. Borboleta falou que agora os Benga Boys já haviam ido embora mesmo. Vinícius completou.
- Agora Humoyhuessos vai dizer que ele tem o antídoto pra fazer a gente se lembrar do que aconteceu. Mas eu NÃO QUERO me lembrar do que aconteceu.

Eu estava disposto a aceitar o desafio. Humoyhuessos falou então que eu me lembraria apenas do que aconteceu antes de eu tomar o Dolly com frutas cristalizadas, porque o que aconteceu nas horas seguintes o meu corpo nunca iria se lembrar. Que isso era Darwin puro. Vinícius disse que, porra, se fosse o que aconteceu antes ele aceitava lembrar também e porque Humoyhuessos não havia avisado isso.

Um pouco ressabiados, aceitamos um copo de leite com Toddy e Nescau misturados. Parecia inacreditável que aquilo pudesse dar certo. Mas, incrivelmente, no momento em que eu terminei o copo, as memórias voltaram a aparecer na minha cabeça.

(Continua)

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