Uma noite com o Papai Noel

A noite de natal é uma data especial em que todos nós reunimos a família em volta de uma mesa e nos entupimos com peru, pernil, tender, suflês, castanhas, lentilhas, frutas cristalizadas, nozes e tantas outras coisas que não consumimos durante o resto do ano. Nos reunimos em volta de nossa família para compartilhar um sentimento universal que é difícil de explicar. Bem, nem todos.

Enquanto estamos lá brigando por uma coxa de peru e ganhando cuecas, existem dezenas de pessoas que estão trabalhando. Técnicos operacionais essenciais para a manutenção de vários sistemas, seguranças, motoristas de ônibus, policiais, garçons. Pessoas que não podem compartilhar de sentimentos universais porque precisam pagar as contas que chegarão na semana seguinte. Ou, pessoas como o Papai Noel.
"Sem contar esse chapéu. Quem inventou esse chapéu, porra?"

Tempos atrás nós revelamos aqui neste blog como funciona o submundo dos papais noéis, a briga entre as várias dinastias e a necessidade de regulamentar a atividade após uma guerra mundial. Explicamos que existem vários papéis noéis que precisam trabalhar neste final de ano em shoppings e semáforos, porque no resto do ano o desemprego bate forte. Um trabalho insalubre.

Na noite do dia 24, nossa reportagem foi até as ruas acompanhar o trabalho de um Papai Noel, responsável por cobrir a região do Jardim Europa em Cuiabá. Chegamos até sua casa por volta das 20h, enquanto ele (não revelaremos seu nome para não estragar a magia das crianças) vestia sua roupa vermelha. “É muito fácil ser Papai Noel na Europa. O duro é ser Papai Noel em Cuiabá, neste calor e com essa roupa toda”.

Nosso bom velhinho falou sobre o difícil trabalho que foi definir a área de atuação de cada Papai Noel e da importância da equipe técnica que monitora a expansão urbana da cidade. Explicou que ele tem a responsabilidade de ir até os Correios de sua cidade para pegar as correspondências das crianças de sua área de atuação e enviá-las até a Lapônia, onde a Papai Noel Inc. se responsabiliza pela construção e aquisição dos brinquedos. Ele não se aprofundou sobre as denúncias de sonegação fiscal da empresa.

“Uma das maiores dificuldades são as mudanças de última hora. Sabe, a família resolve passar o natal na casa dos avós no Cidade Alta, então eu tenho que monitorar as atividades da família, verificar o facebook, em casos mais extremos grampear os telefones. Então, eu passo os presentes para o Papail Noel da região onde a criança vai estar. Foda é neguinho que decide de última hora. Dá trabalho. Estou pensando em contratar um estagiário pro ano que vem, só não sei com qual dinheiro”.
Papai Noel nos explicou que uma das principais dificuldades da sua profissão é conciliar o horário para entrar nas casas e deixar os presentes. “Eu tenho que ser rápido e ter um itinerário pré-definido. São horas de planejamento”, ele diz. “Se eu deixar o presente muito tempo antes da meia noite a criança, você sabe como elas são atentadas, elas acham rápido e transformam a vida do pai num inferno. Se for muito depois da meia noite, elas vão acabar chorando, pode dar Procon e tudo mais”, prosseguiu.

Sejamos justos. Nem o Arthur Zanetti entra aí
Portanto, para dar conta dos prazos, nada de trenós puxados por renas (“onde que eu iria estacionar um negócio desses”). As entregas são feitas com motos, com um parceiro pilotando.

Outro problema é conseguir entrar nas casas. Quando ele entrou para a Organização Mundial do Papai Noel (OMPN), participou de um treinamento na Dinamarca. “Lá fora, a tradição diz que o ideal é entrar pela chaminé. Mas, isso é ridículo! A chaminé é apertada e suja e, pra piorar, geralmente tem fogo embaixo dela! Quem inventou isso de chaminé não entende nada de entregar presentes! E claro, pra piorar, aqui em Cuiabá ninguém tem chaminé, só em churrasqueira, então isso não se aplica”.

O principal problema por aqui são os cachorros e as cercas elétricas. “Não existe uma fórmula. Cada caso é um caso. Tenho que observar as casas por dias até desenvolver uma estratégia. A gente também vai aprendendo com os anos, sabendo o macete de cada casa. O que me fode são as reformas. Dois anos atrás uma família construiu uma piscina do lado do muro de trás e eu me molhei todo, tive que fugir molhado e gritando Ho Ho Ho!”, conta, com aquele humor que as desgraças antigas ganham com o tempo.

Sobre os presentes, ele diz que não há muito segredo. “Video Game. Não sei nem como a Lapônia consegue enviar esse monte de Playstation e a Receita Federal não faz nada”. Antigamente os presentes eram mais variados, passando entre carrinhos, bicicletas, bolas. “Pior é que muita criança pede quebra-cabeça pro pai e Playstation pro Papai Noel. Ai é mole!” disse gargalhando.

Acompanhamos de longe a sua atuação. A moto sempre ligada enquanto ele pula muros, abre portões e arremessa brinquedos em lugares exatos. Age com uma leveza que não condiz com a sua forma física. Escapa de um rottweiler raivoso uma hora, desvia de um muro com cacos de vidro e parece até flutuar no ar. “É meu passado de ginasta”, brincou mais tarde.

No fim da noite, exausto, sentou em seu sofá e abriu um espumante barato. Perguntamos por que ele seguia nessa vida e qual era o prazer do seu trabalho. Fitou o ar, tomou um gole do espumante e após um breve silêncio falou. “Não sei, não há prazer. A vida é assim, as coisas acontecem e nós não temos controle sobre elas. Elas simplesmente acontecem” e tomou mais um gole.

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