Sobre música e tragédias

A música brasileira é freqüentemente apontada como uma das mais criativas do mundo. Estrangeiros adoram a ginga da música baiana e dezenas de artistas brasileiros já vieram ao Brasil para gravar com o Olodum ou se inspirar no ritmo daqui. A clássica Sympathy for the Devil dos Rolling Stones foi inspirada, segundo a lenda, por uma passagem de Mick Jagger e Keith Richards pela Bahia.

Nossa miscigenação e nosso clima são os principais fatores. A mistura de raças num clima quente teria criado todo gingado do Brasileiro. Pode até ser verdade. Mas o axé também é marcado por suas letras descontraídas, sem compromisso, para que a pessoa possa apenas dançar com ela. Axé com tema político só combina com jingle de presidente.

E ai entra um fator importante. O Brasil, este país abençoado por deus e bonito por natureza, é desprovido de fenômenos naturais. Não existem vulcões por aqui e nós estamos longe das junções de placas tectônicas, distantes de terremotos e maremotos. Até mesmos os tufões, furacões, tornados e ciclones estão apenas começando a aparecer. Isso faz com que temas que seriam pesados em outros países, se tornem leves por aqui.

Em 2002, no auge do sucesso do Brasil na Copa do Japão e da Coréia, este hit de Ivete Sangalo tocava incessantemente nas rádios e TVs:

“Tem gente de toda a cor. Tem raça de toda a fé. Guitarras de Rock ‘N’ Roll, batuque de candomblé. Vai lá, pra ver a tribo se balançar e o chão da terra tremer. Mãe preta de lá mandou chamar. Avisou que vai rolar a festa”.

Se fosse o Japão fazendo sucesso na Copa do Brasil, a música não existiria. Sim, deve não haver tantas raças, nem candomblé no Japão. Mas a parte que sugere que vá se ver a tribo balançar e o chão da terra tremer, seria considerado meio mórbido pelos japoneses.

Tal qual um sucesso de 10 anos atrás do Tchakabum, Thackabun ou o que for. Aquele que dizia “Onda, onda, olha a onda” acompanhado de palminhas. Se o ilustre vocalista da banda cantasse isso em Sendai era capaz de que a platéia começasse a correr desesperadamente e começasse a escalar os lugares mais altos para escapar da Tsunami.

Isso também aconteceria quando aquela banda que cantava “É bomba, para dançar isso aqui é bomba, taratatata é bomba! Beterabaaba parapa É BOMBA” cantasse nos Estados Unidos, Espanha ou Oriente Médio. Seria um desespero danado e o cantor ainda seria preso, interrogado, torturado e mandado para Guantánamo. Mas, deixemos as questões políticas de lado.

O clássico do Cheiro de Amor “Vai Sacudir, Vai Abalar, quando o meu amor passar” também não seria bem aceito. Assim como uma música do Harmonia do Samba que diz “Levando tudo, quebrando tudo, jogando tudo pra cima”. Ou até mesmo o clássico do Legião Urbana “eu deixo a onda me acertar e o vento vai levando tudo embora”. Uma família que perdeu tudo em um furacão acharia que Renato Russo é um piadista de mau-gosto.

Assim como os dinossauros não achariam graça em ver Luan Santana cantando “você foi raio de saudade, meteoro da paixão”. Eles bradariam “você não sabe o que é um meteoro!”.

Funciona assim. Não temos vulcões e terremotos, mas temos o Luan Santana e a Câmara dos Deputados. Nada é perfeito.

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